Pais e Educação
Margarida Miranda, mãe de 5 filhos, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra escreveu sobre a importância básica dos pais na educação dos filhos:
“Adeus, até para o ano” ouço os meus filhos dizer aos primos
e amigos com quem se hão-de cruzar mais semana menos semana (pois moram na
mesma rua e alguns até andam na mesma escola). “Até para o ano…” porque até lá
a vida vai ficar congelada. Dizemos
adeus às férias com o peito amedrontado diante do peso esmagador de uma roda
dentada que aí vem (as aulas) e que ameaça mais uma vez triturar-nos os ossos à
sua passagem. Começa aquela engrenagem dos horários, livros, mochilas, passes,
transportes, testes, boleias, lancheiras, testes, explicações, reuniões na
escola, testes, visita de estudo, dia disto, dia daquilo, trabalhos de grupo, e
testes outra vez até ao Exame Nacional, que é aquela autoridade de quem tudo
depende. E não sabemos como chegar inteiros àquele momento em que podemos olhar
de novo para o céu estrelado e apreciar-lhe a beleza, livres do inexorável
poder do relógio.
Absorção dos direitos da família pelo Estado
A aceleração em que vivemos, o rapidismo de que falou
Francisco (LS nº18) deixa-nos a viver na superfície, na emoção, no imediatismo.
Nas famílias não há tempo de uns para os outros, e muito menos tempo para Deus.
Se houver escola que tome conta dos filhos até às 19h, deixamos lá os filhos.
Mais tarde, quando formos velhos, somos nós que procuramos um Lar, porque não
queremos dar trabalho àqueles filhos para quem não tivemos tempo!
Insensivelmente fomos transferindo para o Estado as
responsabilidades do indivíduo e da família. É ambição típica dos estados
laicistas expropriar a família da moral que antes lhe pertencia e era
cuidadosamente preservada de ingerências políticas.
Se um dos erros do liberalismo burguês é a dissolução
individualista, o erro do totalitarismo é o da absorção dos direitos da família
pelo Estado. Um e outro afligem as nossas sociedades. Afirmar que a família
está em crise é algo completamente banal. Qualquer que seja o ponto de vista, a
família nuclear, órgão essencial pelo qual transmitimos o nosso ADN cultural e
social, está em declínio.
Toda a gente sabe que este declínio tem custos económicos e
sociais incalculáveis. Esperaríamos que os estados tudo fizessem para
contrariar esta tendência e resgatar as gerações desta nova forma de pobreza e
exclusão social; mas não é assim. Primeiro extinguiu-se o conceito de família
alargada, depois a erosão chegou abertamente ao conceito de família nuclear e
de paternidade/maternidade. O Estado foi aumentando o seu poder e invadindo os
espaços que antes eram ocupados pelas famílias, até se tornar o dono absoluto
da autoridade sobre os nossos filhos.
Foi assim que vimos encerrar escolas públicas por não
pertencerem ao Estado: ensino público idóneo, só o do Estado. Também por isso,
já sabemos que durante 38 semanas do ano, os nossos filhos pertencem à escola.
Em alguns países da Europa é um delito levar o filho de férias durante o
período escolar, sem autorização. Nos últimos dias de aulas antes da Páscoa do
ano corrente era notícia cerca de uma dezena de pais que, surpreendidos pela
polícia nos aeroportos da Alemanha, pagaram uma multa para poderem prosseguir a
viagem com os seus filhos, em véspera de feriado.
Os pais, principais educadores dos filhos?
O Estado, e não os pais, tornou-se o árbitro do superior
interesse da criança. Governos, tribunais e opinião pública parecem pôr-se de
acordo em esvaziar os pais de autoridade. A ideia de que os pais são os
principais educadores dos seus filhos, a quem transmitem conhecimentos,
valores, costumes e crenças parece dar lugar a uma utopia: a de que os pais
devem fazer chegar os filhos intocáveis até à idade adulta, para que eles
possam escolher livremente a sua própria identidade, os seus valores, a sua
religião. E é assim que muitas responsabilidades se tornaram inaceitáveis e
condenatórias.
Nos EUA, os pais perderam a tutela da sua filha adolescente
por não apoiarem a sua “transição” para menino.
Na Escócia, apesar das campanhas de oposição, o projecto
Named Person Scheme estabelece que a cada criança seja designada uma pessoa
responsável por acompanhar o seu progresso individual e a sua vida familiar –
como se os pais devessem ser permanentemente controlados. Monitorizar o
bem-estar da criança permite que a Pessoa Designada viole a privacidade das
famílias, em nome do Estado e com a cumplicidade dos tribunais.
Na Noruega, as famílias protestam contra o temível
Barnevernet, o Serviço de Protecção de Menores que, no interesse superior das
crianças, as retira aos pais, com critérios obscuros e autoritários, como por
exemplo, problemas psicológicos dos pais, punições físicas (proibidas naquele
país), ou simplesmente “falta de competências parentais”. Os serviços de saúde,
as escolas, a polícia têm o dever de sinalizar crianças ou adolescentes que
estejam a viver situações adversas. Desde a
sua criação em 1992, este tribunal já foi condenado quatros vezes pelo
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, sem consequências. Em 2015 o Barnevernet
retirou 16.000 crianças aos pais sem discussão prévia, o que representou um
aumento de 70% em cinco anos.
As famílias das vítimas mobilizam-se na plataforma Stop
Barnevernet, onde tentam mostrar ao mundo as arbitrariedades deste poder. Agentes policiais levam as crianças sem ordem
judicial e entregam-nas a outras famílias, por mera decisão de uma Comissão de
assuntos familiares, que depois desenvolve o processo judicial. É assustador,
mas sempre com bons objectivos: proteger as crianças desses seres perigosos que
são os pais.
Foi com espanto que ouvimos Damian Hinds, Secretário da
Educação no Reino Unido, afirmar o direito que têm os pais de poderem retirar
os seus filhos das aulas de educação sexual ministradas nas escolas. Mas
quantos são os pais que se atrevem a tal? É uma matéria em que a Ciência
soçobrou ao dogma. Ninguém quer ser considerado homófobo – que é o título que
cabe a todos os dissidentes desta prioridade política. Sob a bandeira da
igualdade todos têm de aprender o valor equivalente das relações hétero e
homossexuais, a “liberdade suprema” daquele que “muda de género” e ainda o
“direito” ao aborto.
No âmbito da Estratégia Nacional de Educação para a
Cidadania em Portugal, está em marcha um projecto educativo que determina que a
igualdade de género seja tema obrigatório em todos os ciclos de estudo (lado a
lado com temas como os direitos humanos, o racismo, a interculturalidade…) Aos ideólogos não
passa pela cabeça que haja pais que não queiram abdicar da sua
responsabilidade, a de educar os filhos segundo “sólidas” convicções herdadas,
e não as convicções “líquidas” do Estado. É por isso que o Movimento Cívico
Homem e Mulher Verdades Imutáveis divulga um modelo de Carta que os
Encarregados de Educação podem apresentar às Escolas para, de acordo com a
Constituição Portuguesa (art.º 36, nº 5), não autorizarem aulas sobre educação
sexual. Não é para menos. A agenda escolar e mediática propõe-se formar as
mentes das crianças (e se possível as dos pais), para a ideia incontestável de
que os opositores da ideologia de género são perigosos e limitam as liberdades
dos seus semelhantes.
Se considerarmos a facilidade com que qualquer crítica aos
programas de igualdade vem a ser considerada “discurso de ódio”, não nos
admiramos de que os pais que lhes resistam venham a ser interrogados e
acusados.
A educação em família faz mal às crianças?
Numa das catequeses de 2015 dedicadas à família, o Papa
Francisco afirmava que nunca foi tão evidente esta ruptura entre família e
escola. “Se antes vivíamos uma aliança entre a sociedade e a família, essa
confiança quebrou-se. E uma (não a única) das causas,” acrescenta, “é o papel
invasivo de um novo poder, os peritos, que pretendem ensinar aos pais a sua
missão, baseados nas ideologias modernas”. O Papa alertou os cristãos para este
novo poder, que pretende “substituir o poder dos pais e chega a defender que a
educação em família faz mal às crianças” (palavras do Papa). É uma nova forma
de colonização, a «colonização ideológica», que fez das escolas “campos de
reeducação”, afirma.
Conflitos de interesses? Não! Só pais, essa classe duvidosa,
é que estão sujeitos a esses riscos. No
admirável mundo novo para onde caminhamos só haverá filhos de pais perfeitos,
em sociedades perfeitas.
Em nome de novas utopias, os Estados vão estendendo cada vez
mais o seu poder sobre as crianças. É também por isso que, no recomeço das
aulas temos a sensação de deixar a vida atrás da porta…
Margarida Miranda
in Ponto SJ