Ser Professor
José Lopes, jesuíta, é licenciado
em Direito, Filosofia, Teologia, Ciências da Educação e Doutorado em Ciências
da Educação. Dá algumas aulas no Colégio das Caldinhas (Santo Tirso) e na
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UCP (Braga). Escreveu o texto a seguir:
A verdade atrai, mas …
A
verdade tem dignidade, mas não tem charme. Por vezes, nos dias que correm, a
falsidade, a ilusão, o poder, o sucesso fácil parecem muito mais atraentes e
cativantes e, com muita facilidade, ganham vantagem em relação à verdade, com
todas as consequências visíveis e perniciosas que isso implica.
Todos
desejamos a verdade e todos a amamos, mas muitas vezes não conseguimos
encontrar força para a querer e praticar. Como diz Bouveresse, «a falsidade tem
sobre a verdade a mesma espécie de vantagem que a estupidez tem sobre a
inteligência». O problema da estupidez é que ela aparece sempre muito
convincente, “disfarçada” de progresso, de génio, de perfeição, de esperança e
até de bem!… E porque populista, é muito difícil de combater e de nos livrarmos
dela. A verdade, todavia, porque exigente, em primeiro lugar com quem a deseja,
não é fácil de viver nem de suportar. E tem um preço, tal como a falsidade.
Todavia, o preço a pagar pela verdade é por vezes muitíssimo elevado: a morte.
Recordemos que Jesus Cristo morreu numa cruz por “votação” e por maioria quase
absoluta… Dá que pensar!
… a aparência também, e às
vezes mais ainda…
Vivemos
na sociedade da aparência, numa sociedade em crise de identidade, uma sociedade
onde a palavra, a confiança no outro, a perda de sentido, o medo, a
insegurança, parecem ganhar cada vez mais terreno. Todavia, como nos recorda
João Paulo II, na linha dos filósofos gregos clássicos, em épocas de crise, o
Educador não pode esquecer que o elemento mais importante na relação educativa
continua a ser o homem e a sua dignidade moral, a qual provém da verdade dos
seus princípios e da conformidade do seu viver e agir com esses princípios. Por
algum motivo, na Grécia clássica o professor era escolhido para essa missão,
não somente pela sua preparação técnica, mas sobretudo pela sua conduta moral,
atestada e comprovada publicamente. Era requisito necessário para alguém ser
candidato a professor que fosse pessoa com idoneidade moral publicamente
reconhecida! Por outro lado, para os gregos, o maior cargo do Estado deveria
ser o de Ministro da Educação, e a pessoa que o deveria desempenhar teria de
ser o melhor de todos os cidadãos. A função do governante é, para Platão, a de
acrescentar saúde moral entre os cidadãos. Como insistia o filósofo, a
prosperidade económica e as vitórias militares são secundárias. A educação traz
consigo a vitória, mas a vitória, por vezes, traz consigo a deseducação.
A verdade: o futuro com
esperança
No
contexto atual da sociedade ocidental, a contracultura do niilismo banal e a
indiferença ganharam foros de cidadania e seduzem milhares de jovens,
deixando-os sem recursos morais e vitais para enfrentarem o futuro com
esperança. Estamos numa sociedade que privilegia o bem-estar, que se anestesia
contra todo o conflito, que tem como ponto assente o descompromisso. Parece que
estamos naquela sociedade sedenta da tranquilidade do redil, contra a qual
Nietzsche lutava. Urge, por isso, como nos diz Barrio Maestre, que a pedagogia
devolva referências de sentido, pois a ela cabe a missão de recuperar, a partir
da tradição socrática, a força e o prestígio do conhecimento, isto é, a força e
o prestígio da razão como capacidade de verdade.
O
homem fragmentado, incapaz tantas vezes de, em discernimento, dar unidade a
tanta informação que lhe chega, é o protótipo desta sociedade. O grande
problema que se lhe coloca é a questão do sentido. Neste contexto, a educação
deve ser entendida como recurso essencial para preparar as pessoas para um
mundo que muda constantemente, e para torná-las capazes de mudar, como nos
recorda João Paulo II, na base da preponderância do «ético sobre o técnico, do
primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria
[…], da transcendência do homem sobre o mundo, e de Deus sobre o homem».
A
educação não é somente, nem sobretudo, uma questão de técnicas pedagógicas e de
saberes cognitivos. O facto educativo aponta para uma escala de valores. A
educação tem a ver, essencialmente, com a formação da pessoa para um valor
fundamental na vida de cada ser humano: a verdade. A formação da pessoa
implica, por isso, relação, e, portanto, uma pedagogia do diálogo. O que se
comunica é o que se vive. É por isso que toda a educação se joga, em última
instância, na realidade e no exemplo do Educador, que é a ferramenta-chave de
todo o processo educativo.
A
educação deve assentar numa antropologia que valorize a verdade, a qual deve
radicar na promoção e na defesa da inviolabilidade dos valores da vida e da
dignidade humana como fundamento de qualquer cultura. A verdade, assim
entendida, é caminho para a liberdade, porque traz com ela a justiça, a
harmonia, a inclusão e a consequente paz social. A relação educativa, diz Bento
XVI, é o encontro de duas liberdades em diálogo, e a educação só terá sucesso
se preparar para um reto uso da liberdade. Por isso, a verdade não se impõe com
a força da violência, mas com a força da razão. Naturalmente que se parte de um
princípio que fundamenta a afirmação anterior: existe a verdade, a razão pode
ajudar a descobri-la, e a verdade é uma tarefa comunitária que tem no diálogo o
seu instrumento privilegiado. Se a verdade não contasse para nada, o poder
seria o mais importante, e a discussão seria um puro jogo linguístico cujo
desenlace não seria definido pela força da razão, mas pelas razões do mais
forte.
A
missão do Educador assenta, portanto, numa caraterística que lhe é peculiar: a
transmissão da verdade, já que a verdade é o bem que mais pode satisfazer e
plenificar o ser humano. A Escola não é somente uma instituição; ela é
sobretudo uma comunidade. E é em comunidade, em comunicação e em comunhão, que
a verdade deve ser construída, partilhada, vivida e transmitida.
Para
uma mente e uma consciência bem estruturadas na senda do Vaticano II, a
educação parte de um pressuposto indelével: o amor e a capacidade de o homem
conseguir a verdade, que faz do trabalho, do sentido crítico, da
responsabilidade, da perseverança, do espírito de sacrifício, e até do
martírio, um dos seus apoios fundamentais.
Ensinar, diz Buitrago, é esculpir na alma do
educando o amor à sabedoria, a paixão pelo saber, a necessidade da procura da
verdade, embora o ato de aprender vá sempre muito mais além do que o ato de
ensinar. Por isso, para que o educando aprenda o amor à verdade, nem tudo vale
a pena ser ensinado. O Educador deve ensinar somente o que une, isto é, o que
integra o indivíduo, de um modo duradoiro, numa comunidade tão vasta quanto
possível. O filtro real da educação é o que perdura no tempo, é o longo prazo.
Depois, o Educador deve ensinar o que liberta, isto é, deve
consciencializar-nos para o que nos domina e cega e nos centra exclusivamente em
nós próprios. Por isso, a educação é esforço, sendo o esforço a dificuldade que
o indivíduo suporta para adquirir o que vale a pena, isto é, para adquirir o
valor. E a verdade, segundo Reboul, é valor que merece todo o esforço.
in Ponto sj