Os sons do Silêncio

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Estreia hoje, em Coimbra, o filme Silêncio, do realizador norte-americano Martin Scorsese, sobre a experiência dramática da missionação no Japão do século XVII, entre o martírio e a apostasia de leigos e padres, incluindo jesuítas portugueses.baseia-se no romance homónimo do católico japonês Shusaku Endo, que aborda a relação entre o Cristianismo e a mentalidade japonesa. O filme evoca experiência dramática da missionação no Japão do século XVII, entre o martírio e a apostasia.
A diferença entre os padres Ferreira e Rodrigues é que o último ouve Jesus falar com ele. Não sabemos, historicamente, aquilo em que o padre Ferreira acreditava ou não, mas no romance de Endo parece que ele perdeu mesmo a sua fé.
O realizador consultou a equipa dos Arquivos Jesuítas Romanos (Archivum Romanum Societatis Iesu – ARSI) e outros especialistas jesuítas, para preparar o argumento.
O filme aborda questões como o silêncio de Deus diante do sofrimento dos crentes, o mistério sobre o rosto de Jesus ou a natureza da traição à fé cristã - a apostasia - em condições extremas.
O Japão foi evangelizado pelo jesuíta S. Francisco Xavier, entre 1549 e 1552, a pedido da Coroa Portuguesa, mas poucas décadas depois comunidade católica vivia uma dura perseguição: os primeiros mártires, encabeçados por S. Paulo Miki (crucificados em Nagasáqui em 1597), entre os quais o português S. Gonçalo Garcia, foram canonizados em 1862 por Pio IX.
Outros 205 católicos foram beatificados em 1867, entre eles João Baptista Machado, Ambrósio Fernandes, Francisco Pacheco, Diogo de Carvalho e Miguel de Carvalho (todos da Companhia de Jesus), Vicente de Carvalho (religioso agostinho), e Domingos Jorge (leigo, cuja esposa japonesa e filho também foram martirizados).
Os católicos que sobreviveram à perseguição tiveram de ocultar-se durante 250 anos, até a chegada de missionários europeus no século XIX.
O tema crucial do filme de Scorcese é o da barreira cultural entre uma religião estrangeira e a cultura japonesa. O Silêncio é um filme difícil como o romance de Shusako Endo. Há uma grande fidelidade à obra, que foi recebida com reticências pelos cristãos japoneses. O cristianismo nipónico é heterogéneo e surpreendente – os mártires coexistem com os cristãos escondidos, os que preferiram o testemunho público e os que mergulharam na sociedade, divididos entre as fidelidades do gesto e do princípio. A dúvida liga-se ao remorso. E Cristo representado no fumie, a pequena placa usada para consumar a apostasia, diz: Podes pisar-me!. Afinal, o mistério do silêncio está no centro desta reflexão, como ausência de palavras, audição do universo e fidelidade íntima. Vem à lembrança a negação de Pedro, a pedra em que assentou a Igreja. A distância cultural torna-se mais forte que os julgamentos precipitados de traição. 
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Cristóvão Ferreira é obrigado a defrontar-se com as consequências de uma opção limite em que a fé pessoal está ligada ao destino de muitos cristãos japoneses condenados ao sacrifício supremo pelo qual ele se sente também responsável. E neste ponto não pode deixar de se lembrar a meditação angustiosa sobre o porquê da missão de Judas, porquê haver um apóstolo condenado à partida pelo facto de lhe caber a tarefa necessária de entregar o Mestre por trinta dinheiros. Quantos dramas pessoais repetem esse exemplo evangélico? Basta, Senhor, basta! É agora o momento de quebrares o silêncio. Já não te podes calar por mais tempo. Mostra que és a justiça, a bondade, o amor por excelência. Tens de dizer alguma coisa para que o mundo saiba que existes. Esse silêncio pesado domina o drama de quem tem de escolher entre o amor e a morte, sem saber exatamente onde estão um e o outro. A pressão é máxima, desde a culpa à dúvida, do silêncio ao amor.
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A apostasia concretizava-se pisando a imagem de Cristo. O drama existencial é tratado magistralmente, não devendo apenas situar-se num momento histórico, projeta-se numa tensão civilizacional, entre as tradições milenares do Japão, o culto dos antepassados e o sincretismo religioso.
Baseado no romance histórico do japonês Shusako Endo, onde se foi buscar também o título, Silêncio retrata a missão dos jesuítas portugueses no Japão no século XVII. Mas mais do que a descrição de uma aventura religiosa e missionária num país radicalmente diferente, esta é uma odisseia às profundezas da fé. É o relato da vivência pessoal de alguém que, enviado para falar de Deus, é apanhado num conflito político e social e encontra horror e perseguição pelo Seu nome, vendo-se forçado a escolher entre dar vida por Cristo ou salvar os irmãos. Entre o martírio e a apostasia. E que no meio deste dilema questiona o alegado silêncio de Deus. Este relato dramático é feito na primeira pessoa pelo jesuíta português Sebastião Rodrigues, uma personagem ficcionada que é inspirada nos vários jesuítas europeus que rumaram ao Japão no início do século XVII à procura do seu mentor, Cristóvão Ferreira, responsável pela missão no Japão, que tinha sido perseguido e alegadamente cometido apostasia. 
O enredo de Silêncio passa-se no Japão do século XVII, país que viu chegar o primeiro cristão, S. Francisco Xavier, em 1548, e que assistiu a uma incrível expansão do cristianismo. Os registos históricos mostram que em poucos mais de 50 anos (1600) havia 300 mil cristãos convertidos, mais de 100 jesuítas, muitos dos quais japoneses. Mas o Cristianismo, ao por em causa as estruturas tradicionais de poder pois questionava a divindade do imperador, e ao gerar uma grande aceitação entre os camponeses e os militares, tornou-se incómodo para um Japão que tinha saído da guerra e procurava unificar-se e pacificar-se. Apesar do fervor inicial que tocara até alguns membros das classes altas japonesas, em 1582 o Cristianismo deixou de ser apoiado politicamente e Hideyoshi, líder político que substituiu Nobunaga, emitiu o primeiro édito anti-cristão cinco anos depois de tomar posse. Esta ordem nunca foi executada, até porque estava em causa a relação com os mercadores portugueses em Macau, fazendo com que o cristianismo beneficiasse, assim, do monopólio comercial dos portugueses 
Cristóvão Ferreira, jesuíta português nascido em Torres Vedras que foi enviado para as missões do Oriente em 1600, tendo chegado ao Japão nove anos depois. Após uma passagem breve por Nagasaki, seguiu para Kyoto, onde o superior da sua comunidade resolveu desobedecer às ordens das autoridades e registar apenas alguns dos que ali viviam, permitindo que outros jesuítas menos conhecidos continuassem a agir na clandestinidade. Ferreira assistiu os cristãos desta cidade e de outras povoações vizinhas na calada da noite, arriscando a vida para difundir a fé. Mais tarde tornou-se secretário do provincial, distribuindo medicamentos e provisões pelos jesuítas espalhados pelo país e administrando o dinheiro. Quando o provincial morreu, sendo ele o jesuíta professo mais antigo, assumiu a administração da província e a liderança da sua missão.
Mas foi um governo curto. Um ano mais tarde, em outubro de 1633, Ferreira é preso pelas autoridades japonesas juntamente com outros missionários estrangeiros e submetido à tortura da fossa. Esta consistia em pendurar os prisioneiros de cabeça para baixo dentro de uma fossa que era depois coberta com tábuas. Sem luz e sem água, fortemente amarrados, os cristãos ficavam assim até morrerem ou abjurarem... Foi o que fez este fervoroso jesuíta ao fim de algumas horas. Tinha 53 anos, estava há 37 na Companhia de Jesus e a sua apostasia caiu como uma bomba numa Europa que olhava o martírio como a mais gloriosa das mortes.
A incredulidade perante esta negação pública de Cristo, associada a um desejo de chamar Cristóvão Ferreira de novo à fé, levou vários jesuítas europeus a viajarem até ao Japão à sua procura. Claro que a apostasia não é uma coisa boa. Mas uma das questões lançadas pelo filme é qual a coisa certa a fazer. Porque os inquisidores diziam aos jesuítas que se eles não apostassem, os cristãos japoneses seriam torturados. 
Partiu para o Japão no dia 16 de Maio de 1609, embarcado no Nossa Senhora da Graça. Esteve primeiro em Arima, onde se dedicou a estudar Japonês e a ensinar Latim. As primeiras manifestações da perseguição religiosa que marcou as décadas seguintes começaram a surgir logo depois. Em 1612 o seminário foi fechado e os missionários forçados sair da cidade. Depois de uma breve passagem por Nagasaki, Ferreira foi enviado para Kyoto. A comunidade cristã era então muito numerosa, contando com cerca de trinta mil fiéis, só naquela região. Não deixou de surpreender, portanto, que no início de 1614 se
procedesse ao registo e expulsão de todos os cristãos. O superior da comunidade de Kyoto decidiu registar apenas alguns dos que ali viviam, devendo permanecer na clandestinidade os que fossem menos conhecidos. Entre eles ficou Cristóvão Ferreira, que vivia escondido, saindo apenas de noite para visitar os cristãos daquela cidade e de algumas povoações vizinhas. Em 1617, o padre Provincial, Mattheus de Couros, chamou-o para Nagasaki. Nesses anos em que foi secretário do Provincial, tinha de estar em permanente contacto com todos os outros Jesuítas. Era ele quem distribuía os medicamentos e provisões e quem administrava o dinheiro, bem como as outras coisas necessárias ao funcionamento das diversas comunidades (por exemplo, o vinho de Missa). Por esta razão, viajava frequentemente pelo Japão, mesmo correndo o risco de ser descoberto e preso. Depois de uma breve passagem por Osaka, onde foi superior da missão no Japão Central, regressou a Nagasaki. Com a morte do Padre. Mattheus de Couros, e uma vez que era o Jesuíta professo mais antigo na Província, assumiu a sua administração como locumtenens, ou seja, Provincial não nomeado pelo superior Geral dos Jesuítas. Um ano mais tarde, a 18 de Outubro de 1633, Cristóvão Ferreira foi finalmente preso, juntamente com outros religiosos, tanto missionários estrangeiros, como japoneses. Foi-lhes aplicada a tortura da fossa, método exclusivamente destinado aos cristãos para que negassem a sua fé. Os Holandeses do tempo (aliados comerciais do Império Nipónico e, por serem protestantes, antipáticos à pregação católica) relatam a prática como um dos suplícios mais insuportáveis, entre os que eram infligidos pelas autoridades japonesas. Consistia em pendurar os prisioneiros de cabeça para baixo dentro de uma fossa que era depois coberta com tábuas. Os cristãos ficavam, assim, sem luz e sem água, fortemente amarrados, até abjurarem ou morrerem. Cristóvão Ferreira, apesar de toda a sua actividade apostólica reconhecida e esforçada, cedeu ao fim de algumas horas. Tinha 53 anos de idade; 37 de Companhia de Jesus. A notícia da sua apostasia chocou uma Europa que olhava para o martírio como a mais gloriosa morte. Alguns foram torturados e cederam à apostasia; alguns, porém, acabaram por dar ali a sua vida. Desses, que morreram depois de submetidos à tortura da fossa regista-se o nome de pelo menos três jesuítas: Kassui Pedro; Marcello Mastrilli e Rubino. Quanto a Cristóvão Ferreira, foi forçado a viver com a viúva de um prisioneiro executado, passando o resto da sua vida no Japão e servindo de intérprete para as autoridades japonesas.
Não é possível afirmar com total exatidão as circunstâncias da sua morte. As únicas fontes que conhecemos dizem-nos que, ao chegar a uma idade mais avançada, se arrependeu de ter renegado a fé. Tendo disto sabido, as autoridades japonesas de novo o terão prendido e condenaram-o mais uma vez à fossa. Ali terá morrido a 04 ou 5 de Novembro de 1650. Sebastião Rodrigues é uma personagem criada pelo livro Silêncio, de Shusaku Endo, baseada no Jesuíta italiano Giuseppe Chiara. Este Jesuíta chegou amOshima em Chikuzen a 27 de Junho de 1643 integrado num grupo de dez missionários que procurava Cristóvão Ferreira. Juntamente com os seus companheiros foi imediatamente capturado. Posteriormente, no julgamento a que foram sujeitos, Cristóvão Ferreira terá servido de intérprete. Todos estes missionários terão renegado a fé sob o peso da tortura da fossa e ter-se-ão retratado mais tarde. Giuseppe Chiara morreu em Edo a 24 de agosto de 1685, tendo dito anteriormente que permanecia cristão.

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