Joris-Karl Huysmans
Carlos Maria Bobone é alfarrabista na Livraria Bizantina e crítico literário no Observador. Apresenta-nos um escritor chamado Joris-Karl Huysmans (1848-1907):
A
vida de Huysmans é quase tão interessante como os seus romances. Homem
atormentado, epítome do maldito, discípulo de Zola e de todo o radicalismo
anti-clerical, boémio empedernido e decadente, Huysmans acaba por se tornar um
dos grandes escritores católicos de todos os tempos.
É
a ele que o nosso mais famoso escritor convertido, Manuel Ribeiro, rouba o
título para o seu grande livro, A Catedral; é a ele que recorrem os católicos
do século XX esperançados na conversão dos boémios; é com ele que se espanta o
mundo literário mais devasso, já que se torna, depois de ser o maior desses
devassos, o mais fiel dos católicos.
Huysmans
apanhou a transição do século XIX para o século XX, com a explosão da arte
moderna e as odes decadentes a tudo o que era carnal em vez de espiritual. Ora,
a intensidade da sua vida fê-lo experimentar, como poucos, o verdadeiro
enfartamento da carne. A vida de Huysmans é, em si mesma, a resposta da Igreja
à ideia de decadência. Podemos ter todos os prazeres, somá-los todos e usufruir
de todos ao mesmo tempo, que o desejo é sempre maior do que aquilo que o mundo
pode dar; mais, o prazer cansa, farta, mas o desejo não. As personagens de
Huysmans têm sempre aquele fastio trágico porque Huysmans percebeu por si
próprio aquilo que percebem todas as suas personagens: o mundo não dá resposta
àquilo que o Homem pede. As suas personagens são, assim, claustrofóbicas porque
têm esta noção de que estão presas sem que haja alguma coisa fora da prisão.
Nesse sentido, Huysmans é Kafkiano antes de Kafka...
in Ponto sj