Dia do PAI
Como hoje é o Dia do Pai, e tradicionalmente Dia de S. José, como pai
adtivo de Jesus Cristo, segue-se uma reflexão de Amedeo Cencini, padre
italiano, profesor de Teologia Pastoral na Universidade Pontifícia Salesiana de
Roma e na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma:
Ainda é possível ser “pai” no Ocidente, após cerca de 50 anos gastos a
“matar o pai” (como nos pedia com insistência a psicanálise freudiana), ou a
definir a paternidade como supérflua (segundo a habitual cultura radical chique
da autonomia a todo o custo), ou a eliminar a sua presença (como nas leis sobre
o aborto), ou a torná-la facultativa (na legislação sobre o matrimónio e
educação dos filhos), ou a considerá-la uma pura construção cultural-social
(segundo as teorias do género)? Com efeito, este ambiente tão hostil criou na
nossa sociedade uma espécie de obscuridade do pai, da qual é inevitável pagar
as consequências.
A primeira é que não só não há mais “pais”, como também não há adultos,
porque a paternidade significa o pleno cumprimento do caminho do adulto.
Se a vida, efetivamente, é dom recebido que tende pela sua natureza a
tornar-se bem dado, uma pessoa torna-se adulta quando opta explicitamente por
passar da fase passiva da receção do dom à ativa do dom de si. Adulto é,
portanto, aquele que gera, que toma cuidado pelo outro, que dele se sente
responsável e guardião, que dele carrega peso e fragilidade, inclusive no mal.
Berdjaev diz que Caim matou Abel não quando o atingiu com violência mortal,
mas quando, diante do criador, negou ser “guardião” de Abel: não sentir-se
responsável pelo outro é matá-lo. E o mesmo autor russo especifica que o juízo
final será sobre a mesma pergunta, que Deus dirigirá a cada ser humano, e
talvez de maneira particular a quem se sente bom, como Abel: «Que fizeste de Caim?».
Ou a responsabilidade em relação ao outro, qualquer outro, especialmente de
quem erra.
Se desaparece o pai, desaparece também toda a responsabilidade, e
construímos um mundo de crianças perenemente litigantes, ou de
(pré)adolescentes irascíveis, adultos só na conservatória do registo civil. Um
mundo onde mais ninguém se encarrega de ninguém.
O pai é e é chamado a ser aquele que consegue o balanço dos filhos entre a
autonomia e a referência a valores normativos, atenção a si e ao outro,
liberdade e responsabilidade, objetividade e subjetividade. Um processo
educativo só se alcança graças a este equilíbrio, e à presença de um pai, por
sua vez em relação construtiva com uma esposa (e mãe).
Este discurso estende-se, naturalmente, ao casal: as categorias pai e mãe,
masculino e feminino, são complementares e irrenunciáveis para uma sociedade sã
e adulta, onde cada um é complementar ao outro, para juntos gerarem vida e
felicidade. Os laços afetivos originais, em harmonia entre eles, são
constitutivos de identidade; fora deles só há a confusão identitária e o caos
relacional, onde ninguém é ele próprio e em paz consigo e com o outro.
Mas o pai, hoje, é necessário também no plano da fé. Porque a paternidade é
sempre a primeira característica de Deus, e o pai terreno, com a sua maneira de
colocar-se, de querer bem, de querer o crescimento e a alegria do filho, de
pôr-se de parte para lhe dar espaço, é a primeira imagem do Pai-Deus para o
próprio filho. Neste estilo relacional nasce cada caminho de fé, ou se interrompe
ou é deformado para sempre. É um grande mistério que a qualidade da relação com
Deus dependa em boa parte da qualidade da qualidade da relação originária com o
próprio pai, e é por isso uma grande responsabilidade para cada pai.
Por isso, o pai ainda é
necessário hoje, como sempre. Mas é preciso que haja na Igreja caminhos
formativos para a vocação paterna. A mais bela que existe!