Tratado de Latrão
Celebram-se, hoje, os 91 anos do
tratado de Latrão, graças ao qual foi resolvida a Questão Romana, cicatrizando
uma ferida que durou mais de cinquenta anos. O Tratado de Latrão, composto por dois documentos distintos,
Tratado, que reconhecia a independência e a soberania da Santa Sé, fundando o
Estado da Cidade do Vaticano, e a Concordata, que definia as relações civis e
religiosas na Itália entre a Igreja e o Governo italiano, foram assinados em 11
de fevereiro de 1929, em São João de Latrão, pelo cardeal Pietro Gasparri e Benito
Mussolini. “Faz sentido lembrar, muito tempo depois, o evento que
ocorreu em 11 de fevereiro de 1929 com a assinatura do Tratado de Latrão?”
Essa pergunta surgiu num editorial do jornal L'Osservatore
Romano por ocasião do aniversário de 2013. “A pergunta é mais do que legítima,
prosseguia o jornal da Santa Sé, se for considerada quanta água passou sob as
pontes do Tibre (...) Tirando a metáfora, se pensamos como a sociedade italiana
se transformou do ponto de vista cultural, político e institucional; e a
própria Igreja que foi se transformando em sua dimensão jurídica e
institucional. Até o contexto internacional se apresenta hoje com um rosto
diferente, diríamos quase irreconhecível, comparado ao da época.”
Em 10 de outubro de 1962, nas vésperas da abertura do
Concílio Vaticano II, o cardeal Giovanni Battista Montini fez um discurso
memorável no Capitólio sobre o fim do Estado Pontifício, um discurso em que
avaliava os acontecimentos romanos do século precedente como um fato
providencial. Os documentos conciliares, em particular a Constituição Pastoral
Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo atual, confirmam esse julgamento.
O declínio dos antigos estados da Igreja significou para a
Igreja a libertação de um fardo que se tornou muito pesado; promoveu processos
de reforma da instituição eclesiástica e seu direito, visando destacar suas
finalidades estritamente espirituais; favoreceu aos olhos do mundo, e
especialmente da Comunidade internacional, o aparecimento em toda a sua
realidade da natureza peculiar da Santa Sé, sem ambiguidades e ofuscações
devidas à soberania territorial.
O Tratado de Latrão de 1929 e mais tarde a sua recepção no
artigo 7 da Constituição da República Italiana completou e aperfeiçoou uma nova
configuração. A Santa Sé recebeu as mais amplas garantias para cumprir sua
missão no mundo; a Igreja católica na Itália recebeu os instrumentos legais
apropriados para garantir, conforme declarado no art. 2 do Acordo que em 1984
modificou a Concordata Lateranense, “a plena liberdade de desempenhar sua
missão pastoral, educacional e caritativa, de evangelização e santificação”,
bem como “a liberdade de organização, exercício público do culto, exercício do
magistério e do ministério espiritual, bem como da jurisdição em assuntos
eclesiásticos”.
Para a Itália, o Tratado de Latrão significou o fim da
“separação moral” dos católicos da vida política, seguindo a questão da
consciência que surgiu após os eventos de Roma capital. Desde então, a Igreja e
os católicos asseguraram ao país um grande, generoso, incisivo e amplo
compromisso de nutrir o corpo social de valores, apoiando os grandes princípios
nos quais a casa comum dos italianos foi reconstruída após a II Guerra Mundial,
intervindo amplamente no chamado terceiro setor, especialmente nos campos da
educação e serviços sociais, assumindo as várias formas de marginalização e as
novas formas de pobreza que o desenvolvimento da sociedade também traz consigo.
De maneira geral, observa-se que a partir da assinatura do
Tratado de Latrão, Tratado e Concordata, desenvolveu-se um estilo de
relacionamento entre Igreja e Estado, marcado pela lealdade, cordialidade,
colaboração na distinção das esferas de competência, laicidade saudável,
solidariedade nas emergências que ocasionalmente colocam a sociedade à prova. Um estilo de relacionamento que tinha sido experiência e
tornou-se habitual, antes mesmo de ser consagrado no artigo 1 do Acordo de
Revisão de 1984. Ele, de fato, refirmando a independência e soberania do Estado
e da Igreja, cada um em sua própria ordem, os compromete “a respeitar esse
princípio em suas relações e a uma colaboração recíproca para promoção do ser
humano e o bem do país”.